segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

No Natal Comemorei... A Sua Morte

Assim como nasceu meu amor por você, também morreu. De uma maneira ridícula. Eu lembro bem, cheguei na sua casa atrasada, perfumada e sem grandes intenções. E você me recebeu suado e sem graça porque, afinal de contas, era tudo mentira que sabia cozinhar. Pra piorar, a pizza chegaria em instantes, mas seu interfone estava quebrado. Você me olhou como uma criança que é pega fazendo arte e eu te amei loucamente. Naquele segundo, a chavinha virou pra direita e catapuft: te amei absurda e infinitamente.
Eu tinha motivos reais, palpáveis e óbvios para te amar. Você é bonito, seu abraço é quente, seu sorriso tem mil quilômetros iluminados, seu humor me faria rir 100 encarnações e você é bom em tudo, mesmo não querendo ser bom em nada. Seu coração é gigante, tão gigante que você, por medo, prefere a superfície.
Mas eu te amei, mesmo, por causa daquele segundinho, o segundinho que a chavinha virou para a direita. O segundinho da pizza e do interfone.
E assim foi por quase dois anos. Eu me perguntava quando isso teria fim. Motivos profundos, nobres e óbvios para deixar de te amar também não me faltaram, mas nenhum deles foi suficiente ou funcionou.
Você acompanhou com olhos humildes e humilhados todos os passos da sua ex naquela festa e eu continuei te amando. Você confundiu Chico com Vinicius e eu continuei louquinha por você. Você tinha aquele probleminha de não segurar o prazer e meu maior prazer sempre foi qualquer segundo ao seu lado. Você me largou sozinha naquele hospital, com a minha mãe sem saber se tinha ou não metástase, e foi para a praia com seus amigos bombados. E eu, no fundo, te perdoava, te entendia, te amava cada vez mais. Você me mandou embora da sua casa, do seu carro, da sua vida, da memória do seu computador, do seu celular e do seu coração. Você me deletou. E eu passei quase um ano quietinha, te esperando, rezando pra Santo Antônio te ajudar a ver que amor maior no mundo não poderia existir.
Eu segui amando e redesenhando cada dobrinha da sua pele, cada cheiro escondido dos seus cantinhos, cada cílio torto, cada risada alta, cada deslumbre puro com a vida, cada brilho nos olhos quando o mar estivesse bonito demais. Cada preguiça, cada abandono, cada estupidez, cada limitação, cada bobeira. Amava seus erros assim como amava os acertos, porque o que eu amava, enfim, era você.
E eu me perguntava, quase já sem agüentar mais, sem entender tamanha entrega burra, quando isso finalmente teria um fim. Quando minha coluna ia voltar a ser ereta, minha cabeça erguida e meus passos firmes? Quando eu iria superar você?
E foi assim, sem avisar, por causa de um segundo sem grandes enredos, que a chavinha, catapuft, fez meia volta e virou para a esquerda. Me devolvendo a mim, me devolvendo à vida. Dissolvendo você no ar, trazendo cores, cheiros e possibilidades de volta. Matando o homem que eu mais amei na vida bem na noite de Natal.
Enquanto todos comemoravam o nascimento de Deus, eu comemorava a sua morte. A morte de quem e para quem eu já tinha sido mais fiel, refém, escrava e discípula do que para qualquer outro deus.
Era véspera de Natal e você me ligou. Meu coração se encheu de esperança, de pureza, de fé, de alegria. Do outro lado, sua voz nasalada e banal me disse, assassinando meu coração e se suicidando na seqüência: essa ligação não é uma recaída natalina, não, é apenas porque eu tava aqui, sem fazer nada, e pensei… quer trepar? Catapuft.
Não, eu não quero trepar. Mas quer saber? Eu também não quero mais te amar. O menino da pizza e do interfone virou um homem solitário, infeliz e descartável. Catapuft. Pode parecer loucura, mas tirar você do meu peito foi o meu melhor presente que já ganhei.

Tati Bernardi

domingo, 2 de janeiro de 2011

O Velho, o Cachorro e a Gota de Suor

Estou sentada com você ao meu lado. A magreza do seu joelho me parece ser nesse segundo a única coisa que realmente faz o mundo girar. Olho pro seu joelho e quero uma página branca de Word pra escrever "a magreza do seu joelho me parece tão forte agora que faz o mundo inteiro girar". Como é bonita toda a sua magreza e toda a sua altura e o seu andar de coqueiro que dança, se espalha, seduz o ar, mas é tão preso no chão que ainda mata sedes. Está escurecendo e daqui seis horas é ano novo. Preciso começar do zero. Combinei comigo que vou escrever sobre outras coisas e não mais sobre essa única coisa sobre a qual escrevo. Veja você que estava eu com um cara até ele ler meus textos. Veja você que depois eu estava com outro cara até ele também ler meus textos. Te conto isso e você me diz "nós somos inseguros demais e queremos uma garota normal, entende?". Passa então um velho com um cachorro apesar da placa dizendo que é proibido cachorro na praia. E eu tento desfocar do tanto que o seu joelho me oprime e foco no velho. Não quero mais a página em branco do Word. A verdade, meu querido, é que estou cagando para o velho e seu cachorro e para a placa e para a praia. Você com seu joelho e com seu riso largo demais para o charme de maldade que você tenta impor. Você com essa única gota minúscula de suor dependurada no queixo. Você com esse cheiro bom que é mais forte dentro da "canaleta" que vai do centro do seu pescoço até o meio das costas. Você com esse buraco no meio do peito. O que é isso? Você levou um tiro? O que é isso que me dá vontade de te afundar um murro do tamanho da sua pose ou ficar pequena pra dormir de conchinha no centro do seu peito? Olhando para o cachorro que agora vai longe com o velho, Clarice faria um lindo texto sobre a solidão humana ou sobre o fim da vida ou sobre a amizade sem palavras ou sobre como é mais bonito quando um ser aceita ser inferior. Os barbudos melancólicos eternamente tentando inventar um novo jeito de ser o antigo. Os barbudos melancólicos do Mercearia fariam um texto sobre esse velho trepando com o cachorro, sobre a tentativa de não se vender ao sistema e contemplar a vida numa praia, andando com um cachorro. Eles fariam esse texto e se celebrariam e se publicariam e se premiariam. E eles são escritores respeitados. Eu sou apenas a garota angustiada, de cabeça metralhadora, de tremedeira na existência, de maxilares travados de tanto que dói gostar tanto de tudo. Eu sou apenas a garota que tenta ser amada. E sou profundamente amada por alguns meses, até o garoto segurar firme a minha mão e dizer "nós somos inseguros e queremos uma garota normal". E então eu me pergunto se não deveria lobotomizar meu cérebro pra pensar menos, lobotomizar meu coração pra sentir menos, lobotomizar meu espírito pra estar agora menos obcecada pelo seu joelho magrelo. E então eu falaria pouco, teria alguma profissão sonsa dessas que a pessoa fica em cima de apostilas na madrugada ao invés de estar abaixo das estrelas e você poderia me dar a sua mão magrela e nós andaríamos pelas ondinhas secas que fazem bordas de espelho para nossas pernas que seguem juntas. Ou, se ser escritora fosse forte demais, que eu começasse então a escrever sobre o velho e o cachorro. Quem quer bancar a menina que escreve sobre suores e joelhos e cheiros? Eles são inseguros e querem uma garota normal, entende? Você agora penteia o cabelo pra trás, a gotinha de suor pinga na areia fazendo uma lágrima. Você se levanta e vai nadar sozinho. Antes, você se esbarra inteiro no meu corpo, como sempre faz só pra me atordoar e só porque é bem legal ter uma mulher como eu prestando tanta atenção em vocês. Vocês saberiam melhor o que fazer se eu fosse normal, mas algo dentro dessas covardias machistas simplórias e primatas ainda consegue distinguir como é bem legal ser admirado por uma mulher como eu. Antes de me deixar pirando em toda a sua magreza que flutua pelo mundo como uma música leve e impossível de tirar do repeat, você olha pra trás e diz: "mas deve ter alguém que não tenha medo". E eu jamais poderia escrever sobre o velho e sobre o cachorro, até porque eles desapareceram e eu nem percebi.


Tati Bernardi

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Não é Feito Para dar Certo

Ele me pegou em casa a contragosto. Esbravejando. Xingando. Eu ri. Achei graça. Mudei de estação na rádio. O teu amor é uma mentira, que a minha vaidade quer. Tava tocando isso. E eu nem aí.
No banco de trás um casaquinho verde musgo tamanho PP. De alguma garota da noite anterior. Ou da semana passada. Ele é cheio de garotas e pela primeira vez na vida sorri ao pensar isso. Tá certo ele. Bonitão, rico, engraçado e safado. Que mulher não se apaixona por ele?
Eu. Eu não me apaixono mais por ele. O que significa que agora podemos nos relacionar. O que significa que agora, posso ficar tranquilamente ao lado dele sem odiar meu cabelo e minha bunda e minha loucura. E posso vê-lo literalmente duas vezes ao ano, sem achar que duas vezes na semana são duas vezes ao ano. E posso vê-lo ir embora, sem me desmanchar ou querer abraçar meu porteiro e chorar. Consigo até dar tchauzinho do portão. Tchau, vou comer um pedaço de torta de nozes e assoviar. Tchau, querido mais um ser humano do planeta.
Passamos no CEASA pra comprar caixotes podres de feira. Última moda em decoração de bibliotecas. Ele briga comigo, que pobre que você é, Tati. Mau gosto da porra. E diz que eu não sei tratar gente simples, que chego falando difícil de propósito. Eu não fiz nada disso, mas tô nem aí de me explicar ou convencê-lo do contrário. Morro de rir. Se eu o amasse, sentaria no chão e começaria a chorar. Por favor! Goste de mim! Por favor! Como assim eu não sei tratar gente simples? Eu ia ficar com isso na cabeça um mês. Ia aumentar a terapia em três vezes por semana. Ia fazer um curso na Casa do Saber de como falar com feirantes em final de expediente. Ia querer morrer. Mas apenas ri e continuei na minha missão de tomar garapa. Se eu o amasse, ia morrer de medo de passar mal de dor de barriga por causa da garapa. Ou dele me achar brega por causa da garapa. Mas como não tô nem aí, nem lembro que tenho barriga. E o feirante tentando entender o que era fashion. E eu arrotando internamente, sabor garapa.
Depois fomos à Bienal. Eu fiquei com nojo de colocar as luvinhas para ver as fotos. Porque o mundo todo usou aquelas luvinhas não descartáveis. E ele me olhando com preguiça. Ai, Tati, como você é fresca. E eu assumi minha frescura e o larguei falando sozinho. Se eu estivesse apaixonada, ia bolar milhares de motivos mirabolantes para lhe explicar meus motivos em não querer usar a luvinha. Ia entrar na lenga lenga insuportável de pedir desculpas por ser como sou, como se isso tivesse explicação ou desculpas ou salvação. Teria morrido, ou melhor, o matado, porque não suporto olhares de preguiça e reprovação. Teria perguntando, ainda que inconscientemente, o que fazer, naquele fim de tarde, para ser absolutamente perfeita. Me odiando e odiando ele por me sentir assim, uma imbecil. Mas não, apenas fui ver as fotos. Ele me achar fresca e uma barrinha de cereal sabor artificial de banana tem o mesmo poder sobre mim. Nenhum.
No final do dia fomos até a casa de uns amigos dele. E eu lá, pela primeira vez na vida, gostando dos amigos dele, tratando todo mundo bem. Rindo pra caramba daquele monte de besteira. Ficando amiga das garotas de 20 anos com sombra roxa nos olhos. A galera que vai em peso para “a praia do momento para quem quer pertencer a algo que todos querem pertencer mas não sabem bem o que é”. E ele me olhando de longe. Ah, se ela tivesse agido assim. Tão normal, tão simpática, tão leve, tão boa companhia. Ao invés daqueles surtos de ciúme, daquelas cobranças por mais intensidade, daquela necessidade em acordar de madrugada com medo da vida, daquela arrogância pra cima de mim e dos meus amigos que não sabiam conversar de livros, filmes, músicas e dor na alma. Se ela tivesse confiado assim no taco dela. E sorrido mais. Se ela tivesse me amado sem amar. Ou como amam as pessoas que conseguem se relacionar. E eu lá, sendo adorada por ele, justamente porque não o adoro mais. Ô vidinha filha da puta.
No final do dia, a frase que eu temia. “Quer fazer alguma coisa amanhã?”. Eu sabia. Toda mulher feliz e equilibrada deixa saudades. Mas eu não queria. Eu só queria amar alguém, com toda a tristeza e desequilíbrio que vem junto com isso, e continuar deixando saudades.
Quando dizem que namoro ou casamento ou qualquer relacionamento mais sério não pode dar certo, eu discordo. O que definitivamente não dá certo, ao menos para mim, é se apaixonar. Agora, que graça tem fazer qualquer coisa da vida sem estar apaixonada? Ô vidinha filha da puta.

Tati Bernardi

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Aniversário da Sua Ausência

A gente quase completou um ano de namoro, quase. Faltou um mês ou um pouquinho mais, não lembro. Mas hoje, sem mais nem menos, completamos um ano de separação. Ano passado essa hora, exatamente a essa hora, eu lembro bem. Outro dia a Myla me perguntou o que você tinha me ensinado. A gente estava conversando sobre os legados que as pessoas deixam em nossas vidas e ela quis saber qual tinha sido o seu. O coiso me ensinou a gostar de MPB e cinema europeu.Teve o coisinho que me ensinou a ser engraçada e jogar frescobol. E você? Que raios me ensinou? Fiquei sem saber na hora, fiquei sem saber o que responder para a Myla. Mas hoje, no nosso aniversário de um ano separados, posso dizer que foi você quem me ensinou a lição mais importante da minha vida: você me ensinou a sofrer. Eu nunca, nunca, em vinte e sete anos de vida, tinha sofrido. Nunca. Claro, eu odiava ver meus pais quebrando o pau quando era criança, mas eu lembro que eu, pequenininha, pensava: um dia um príncipe vai me levar para longe dessa casa com gente louca que fuma demais, berra demais, desmaia e chuta vasos. Eu sofri também na escola, quando para alguém me enxergar eu tinha de promover bizarrices. Mas eu era muito nova para me separar das bizarrices e acabava também chamando a minha atenção: será que eu sou bizarra? Depois, em casa, quando eu dobrava direitinho o uniforme para o dia seguinte e me sentia um papel de parede bege que ninguém entende pra que serve, eu pensava: um dia um príncipe vai me levar pra longe dessa falta de vida, dessa falta de beleza, dessa falta de compreensão, dessa falta de cor, dessa falta de sei lá o que porque eu era novinha demais pra saber o que faltava. Esperar o raio do príncipe sempre disfarçou minha dor, sempre me refugiou dela. Mas quando você, me mandou seguir meu caminho sozinha, fiquei sem saber como fugir da dor. Você era meu príncipe. Depois de tantos amores estranhos, pequenos, errados e tortos, finalmente eu tinha reconhecido no seu olhar centralizado e no seu sorriso espalhado, o meu príncipe. E o meu príncipe estava me dando o fora. Que porra eu ia esperar da vida agora? Quem iria me levar para longe se você não me queria mais por perto? Não teve como. Foi a primeira vez na vida que não consegui me enrolar e acabei deixando a dor vencer. Pela primeira vez a realidade falou mais alto que a fantasia. Pela primeira vez a realidade da sua ausência falou mais alto que a fantasia de anos a sua espera. Sofri pra caralho, como diz por aí quem sofre pra caralho. Mais do que livros cabeças, músicas bacanas, frases inteligentes, lugares descolados ou posições sexuais, você me ensinou o que realmente importa aprender nessa vida: que a vida pode ser uma grande, imensa e gigantesca merda. É, ela pode ser. E que não existe porra de príncipe porra nenhuma. Que nem ninguém e nem nada pode te levar para longe de nada. É isso e pronto. E é assim pra todo mundo. E pronto. Qual o drama? A dor infinita dos dias infinitos que vieram depois do dia em que você se foi pra sempre veio misturada com toda a dor que eu não senti em todos esses anos. A dor do seu pé na bunda trouxe vasos jogados, bitucas eternas de cigarros em longas discussões pesadas, tardes perdidas em odiar o mundo, cabeças viradas, corredores frios, papéis de parede beges e grupinhos festivos e fechados.A nossa dor acabou sendo toda a dor que fazia fila em mim para ser sentida. Mas agora já passa da meia noite. Não é mais nosso aniversário de fim e, pra te falar a verdade, eu já não sofro mais o nosso fim faz tempo. E pra te falar ainda mais a verdade, eu acho mesmo que você foi o príncipe que eu esperei a vida inteira. Você chegou e me levou embora. Levou embora a menina que tinha medo de sentir a vida e esperava uma salvação para tudo. Quem sobrou é essa desconhecida que se conhece muito bem em suas bizarrices, lê jornais todos os dias, substituiu o bege pela cor do verão, tem uns pais gente boa ainda que malucos, adora os poucos e estranhos amigos, não espera mais pelo cavalo branco mas fica ansiosa pelo início da novela e talvez esteja pronta para amar de verdade. Amar um homem e não um príncipe.

Tati Bernardi

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Últimos Segundos

Não deixe quebrar, não deixe romper, não deixe virar grafite envelhecido e esquecido como qualquer contrato sem alma. Corra e cole os pedaços, corra e segure meus pés no chão porque eu estou quase voando, ou me faça voar novamente com você. Por favor, não espere o sanduíche ou a festa do ano, não espere a minha próxima assoada de nariz e a minha cara assustada perdida na sua ausência.
Venha logo, traga de volta a minha certeza, não deixe, por favor, não deixe. Traga um agasalho para esquentar a minha falta de amor e ganhe em troca um ingresso para a minha fidelidade. Não espere o horário do trânsito livre, não espere ouvir o que você não quer, não espere a vida dar merda para colocar a culpa na vida. Eu ainda estou aqui por você, limpa, ilesa, sua. Mas cada milímetro do meu corpo me implora por vida, por magia, por encantamento. Por favor, me roube, não deixe, não esqueça do nosso pacto em não ser mais um daqueles casais que não conversam no restaurante e reparam tristes nos outros.
Outro dia ouvi a música do Closer e lembrei o tanto que eu te amava, o tanto que ainda te amo, mas havia esquecido. Eu lembrei que enxergar sem pretensões você dormindo, com o seu ombro caído pra frente fazendo bochechas de criança na sua cara feliz, é a visão do paraíso pra mim. Eu preciso de força, eu preciso de ajuda, eu preciso que você me lembre de que eu não preciso de mais nada, que mais nada é tão perfeito e que podemos ser um casal imbatível. Caso tudo isso seja um trabalho inconsciente para me perder, parabéns, você está conseguindo. Mas se ainda existir dentro de você alguma esperança, eu preciso demais que você me abrace e me faça sentir aquilo novamente. É fácil, basta você querer, eu ainda quero tanto.
Venha agora, não espere o músculo, a piada, o botão, o calo, a saudade, o arrependimento, o vazio. Eu preciso sentir que você ainda sente, eu preciso que o seu coração dê um choque no meu, eu preciso saber que seu peito ainda aperta um pouco quando eu vou embora e se espalha como borboletas nas veias quando eu chego. Tudo o que eu quero, quando ele me olha sem pressa e sorri nervoso sem saber porque a gente procura se perder, é que você desligue o DVD e me diga que esse filme é batido e não tem final feliz. Eu quero que você grite dentro da minha cabeça que não precisamos disso e que, por alguma razão, quando a gente se afasta a dor é maior do que todo o mundo que nos espera. Eu ainda preciso que você me ache bonita, se surpreenda, me comemore e esqueça um pouco de todo o resto pra se encantar sem medo do tempo.
Não me tire a razão, não me tire a honra, não me faça estragar tudo só para sentir o vento na cara de novo e a música alta. Berre e assopre em mim enquanto é tempo. Me coma na cozinha, quebre a mesa, faça um escândalo, qualquer coisa para tirar o cheiro de velório do meu ventre. Eu ainda quero viver para você.
Venha agora, ganhe a corrida, passe todo o resto pra trás, é você quem eu continuo eternamente esperando na linha final.

Tati Bernardi

domingo, 31 de outubro de 2010

Reerguer-se. Sem ele. Sem dor.

Eu sei que é difícil. Eu sei que dói e que vai doer mais a cada dia que se passar. Eu sei que respirar sabendo que ele não é mais seu, vai doer. Sei que ouvir o nome dele, e saber que o nós virou passado vai doer. Eu sei que a vontade de ler tudo de novo, a vontade de ver fotos, conversas, momentos, vai ser maior. Eu sei que a vontade de cortar os pulsos vai ser tentadora, porque suportar uma dor externa vai parecer mais fácil que suportar a dor interna. Sei que deixar tudo de lado para se focar apenas na sua dor, vai ser uma das suas escolhas mais prazerosas, e sensatas. Mas não vale a pena. Chore tudo que você tiver que chorar. Lembre de tudo que você tiver que lembrar. Tire um dia só para falar dele. Embriague-se dele. Tenha uma overdose dele. Repita o nome dele dentro da sua cabeça mil e uma vezes. Pense nele antes de dormir, e refaça os seus diálogos. E então, no dia seguinta, acorde para uma vida nova . Deixe ele, e tudo do dia passado, ali, no passado. Não cometa o mesmo erro que eu. Não faça isso pouco a pouco. Não deixe essa dor se arrastar, não deixe isso se transformar em uma semana, em um mês, em um ano. Não prolongue o que não existe . Não faça com que o tempo da sua dor seja maior que o amor de vocês. Entende? Não é fácil. É insuportável. É como carregar um peso de cem quilos nas costas. Mas por favor, não cometa o mesmo erro que eu. Não diga que tudo está bem quando tudo está uma grande merda. Não diga que não sofre, quando sofrimento é a única coisa que preenche o vazio que ele deixou. Não sorria fingindo uma alegria que não exista. Sofra. Sofra até que esse sofrimento te faça cair, até que esse sofrimento te corroa por completo, e pronto, chega. Não deixe que isso se torne seu ar, não deixe que seu coração bata em função disso, e nem que seus pensamentos vaguem em função disso. Passou. Daqui um ano você vai olhar pra trás e vai pensar : Caralho, como eu sofri. Como eu chorei até meus pulmões implorarem por ar. Como eu me machuquei até sentir todo meu corpo adormecido. Até não sentir nada, e ainda assim, sentir você. Como eu gritei, e em resposta só obtive o silêncio. Mas então, foda-se. Foda-se mesmo. Não vire uma masoquista, por favor. Não se engane, não negue, não esconda... Mas quando a dor sumir, e você tiver que levantar, não escolha continuar no chão apenas para continuar com a sensação de ainda tê-lo. Porque não... A dor não te deixa mais próximo dele. A dor não é capaz de fazer seu coração saltitar, como ele fazia. A dor não te acolhe em seus braços em noites de tormenta. A dor não te ama, como um dia ele jurou te amar. A única coisa que a dor faz, é te acompanhar durantes todos os dias. Para sempre... Coisa que ele não foi capaz de fazer. E você, mesmo sem querer, ta aprendendo a viver sem ele. Agora, você precisa acima de tudo aprender a viver sem ela. A dor. Você precisa fazer apenas uma coisa: Reerguer-se. Sem ele. Sem dor .

Bianca Nannini

domingo, 10 de outubro de 2010

Hoje Eu Chorei com o Caminhão de Gás

A primeira coisa que eu vi quando abri os olhos foi a minha cachorrinha me espiando triste do corredor, eram quatro da manhã e eu já sabia que não iria dormir mais. Meu sono é interrompido de duas em duas horas por um pânico horrível que paralisa meus órgãos e só deixa viva a bile que toma todo o meu corpo e me faz querer vomitar até virar do avesso. Eu arregalo os olhos para o teto, fecho minhas mãos com uma força que quase faz com que minhas unhas cortem minhas palmas e deixo a onda da dor vir, ela me sacode inteira, me joga numa profundidade sem som e me afoga por completo. Abro as janelas porque preciso de ar, mas nunca tem ar para meu pulmão afogado. Coloco o santinho que meu avô me deu no peito e peço a ele: você já morreu por amor, não deixe acontecer o mesmo comigo. Amar dói tanto que você volta a lembrar que existe algo maior, você se lembra de Deus, você se lembra de vida após a morte. Amar dói tanto que você fica humilde e olha de verdade para o mundo, mas ao mesmo tempo fica gigante e sente a dor da humanidade inteira. Amar dói tanto que não dói mais, como toda dor que de tão insuportável produz anestesia própria. Você apela pra todo e qualquer santo, pra cartomante, pra ex-namorado, pra tarólogo, astrólogo, psicólogo, numerólogo, amigo e apela até pra inimigo. Qualquer um, pelo amor de Deus, tire essa dor de mim. Não adianta, não vou dormir mais. Mas vou fazer o que então? Minha cama me lembra você, minha cachorra me lembra você, beber água me lembra você, viver me lembra você.Vou me levantar agora e ir para onde? Tomar banho? Tomar café? Não tenho nenhuma vontade de existência, seja de vaidade ou gula. Só quero ficar deitada, mas ficar deitada também dói. O mundo não tem posição confortável pra mim, aonde vou, essa merda de dor horrível vai junto. Chorar não adianta, eu seco de tanto chorar e não passa. Ver TV, falar ao telefone, dançar, gritar, escrever, abraçar minha mãe, tomar suco de manga… nada adianta.

Eu sei, eu sei, o eterno clichê “isso passa”. Passa sim e, quando passar, algo muito mais triste vai acontecer: eu não vou mais te amar. É triste saber que um dia vou ver você passar e não sentir cada milímetro do meu corpo arder e enjoar. É triste saber que um dia vou ouvir sua voz ou olhar seu rosto e o resto do mundo não vai desaparecer. O fim do amor é ainda mais triste do que o nosso fim. Meu amor está cansado, surrado, ele quer me deixar para renascer depois, lindo e puro, em outro canto, mas eu não quero outro canto, eu quero insistir no nosso canto. Eu me agarro à beiradinha do meu amor, eu imploro pra que ele fique, ainda que doa mais do que cabe em mim, eu imploro pra que pelo menos esse amor que eu sinto por você não me deixe, pelo menos ele, ainda que insuportável, não desista. Minha cachorra pede um biscoitinho, aí eu choro porque eu lembro que você adorava dar biscoitinho para ela. Está sol, e eu choro porque você ficava feliz com o sol e você feliz era tão perfeito que eu tinha medo. Aí eu vou escovar meus dentes e choro porque você tirava sarro da minha escova elétrica, depois eu faço xixi e choro porque a gente tinha liberado o xixi de portas abertas. Eu abro o guarda-roupas e choro porque eu não quero ficar bonita, eu não quero dar a volta por cima, eu não quero ficar bem pra você ver que eu estou bem e quem sabe ter saudades. Choro porque acho ridículo os jogos da vida, qualquer coisa é ridícula perto desse amor que é tão simples e óbvio.Quando finalmente eu consigo me arrumar em meio a esse rio de lágrimas, eu choro porque o caminhão do gás passou e aquela musiquinha idiota, mais algumas crianças berrando na quadra lá embaixo e mais dois passarinhos cantando na minha janela, me lembram que a rotina, a alegria e a pureza ainda existem, apesar de você não estar mais aqui. Nada, nada aconteceu para o mundo.
E eu me sinto minúscula e sozinha por não ter a cumplicidade da vida lá fora, por não ter um minuto de silêncio pela nossa morte, por ter que sentir tudo isso sozinha, entre escovas de dentes, xixis e roupas dobradas e cheirosas. Odeio a ordem de tudo, odeio a funcionalidade de tudo, odeio que a TV ligue, que o telefone toque, que meu estômago peça comida, que japonesas riam fora de hora, que meu carro corra, que a bola quique duas vezes antes e, principalmente, que você, não muito longe daqui, sorria. Dirijo até meu trabalho sem nada dentro de mim a não ser um monstro parasita que se alimenta do meu desespero, nenhum farelo de comida. Meu lado da frente está quase colando ao de trás, talvez na falta de você eu precise mesmo me juntar mais a mim mesma. Minha mesa está lá, meu lixo está lá, minha cadeira, a menina grande que fala igual a um homem, a gordinha solícita que não pára de me olhar até que eu olhe para ela, sorria e diga bom dia. Está tudo lá, mas você, mais uma vez, não está aqui. Vou para o banheiro e choro, que novidade? Mas dessa vez porque me olho no espelho, e isso também me lembra você. Eu era sua, a sua menina, a sua criança, a sua mulher, a sua escritora predileta, a sua parceira de dar risada de programas estúpidos que passam de madrugada na TV, a sua namorada sensível que tinha medo de vomitar e de amar demais, assim como você. A sua melhor amiga pra sentar num banco de praça e falar mal de todo mundo, pra perder um trem na Itália e ainda por cima sentar num chiclete fresco ou pra cuidar do nosso porquinho de pelúcia. Eu era a mulher que encaixava a cabeça nas suas costas e sabia que tinha nascido a partir de você, eu era a mulher que esperava sofridamente você voltar mas nunca deixou de te amar mesmo quando você ia.
Todo mundo me fala que eu preciso ser minha, inclusive pra ser sua, mas eu não deixo de olhar para o espelho e ver uma metade de gente, uma metade de sonho, de sexo, de alegria e de futuro. Que se foda a auto-ajuda, que se fodam os livros com homens carecas, que se foda o terceiro olho (do cu?) e que se foda a psicologia: eu sou mesmo metade sem você e que se foda! Se antes de você aparecer eu já te amava, eu já te esperava, eu já sabia que você existia, como eu posso não te amar agora que você tem forma, sorriso, coração e nome?

Tati Bernardi